FERNANDO BARRETO, O FENOMENO QUE NÃO ACONTECEU (1)

29/10/2021

Poucos boxeadores brasileiros mostraram tantas qualidades em cima de um
ringue como ele, embora sua aparência física não demonstrasse absolutamente,
o atleta que estava ali. Magro, de pouca musculatura, algo cabeçudo, Fernando
Barreto era o tipo de boxeador que não impressionaria a nenhum aficionado
antes do soar do gongo para o início do combate. Excelente altura para as
categorias de peso em que lutou (meio-médio e médio), braços longos, pernas
finas e compridas, calmo em suas ações, sempre ofensivas, extraordinariamente corajoso, queixo de granito, pegada dura ... supercílios
de papel.


De Boxe simples mas tremendamente objetivo e demolidor, o campista
desenvolveu uma carreira brilhante entre os amadores e rapidamente foi
tornado profissional, onde iniciou como uma grande esperança a títulos
internacionais, mas logo colheu os primeiros tropeços, frutos principalmente
da ambição e precipitação de treinadores e empresários, que cedo o lançaram
às feras, sem o menor planejamento, em se tratando de um boxeador das suas
qualidades. Poderia ter chegado, se bem conduzido, a títulos mundiais, mas
suas conquistas maiores não foram além de títulos brasileiros dos
meio-médios e médios e um sul-americano de médios, ganho no Luna Park, em
Buenos Aires(RA).


Se a Sorte não lhe colocou no caminho treinadores e empresários de maior
lucidez, ele também não colaborou, por seu gênio difícil de ser dobrado,
inconsequente e irresponsável consigo mesmo, ignorando que o Boxe é um
esporte que cobra com juros altos àqueles que fazem questão de não levá-lo
à sério. Fernando Barreto é para mim, a história mais triste que conheço no
Boxe brasileiro entre pugilistas do seu nível.


Ele nasceu em Campos (RJ), em 10 de Março de 1937, tendo sempre uma enorme
atração pelo Boxe. Em 1954, aos 17 anos, deixou Campos e veio ao Rio de
Janeiro, buscando uma chance no Clube de Regatas Vasco da Gama, na ocasião,
possuidor da melhor equipe de boxeadores da cidade. O Vasco era treinado
pelo italiano Frederico Busone, que diante daquele rapaz alto e franzino,
desaconselhou-o a fazer Boxe e o encaminhou ao departamento de futebol do
Clube, onde as chances, segundo aquele treinador, seriam maiores. Fernando,
mesmo a contra gosto, tentou com as chuteiras aquilo que sua consciência
mandava-o fazer com as luvas. Dois treinos no futebol foram necessários para
que ele fosse dispensado por incapacidade técnica. O Boxe era o seu ideal ;
algo cabisbaixo, o campista voltou a Busone e insistiu em fazer lá, bem mais
do que um simples treino de teste. O próprio Barreto lembraria mais tarde,
que o treinador o obrigava a fazer um treinamento físico bem mais forte do
que o do resto dos rapazes que se preparavam para estrear entre os amadores.
Fernando estreou no ano de 1955, mostrando qualidades que rapidamente o
levaram a ganhar os títulos brasileiros e sulamericanos de 1956 e 1957. 


Com apenas dois anos lutando entre os amadores, Fernando Barreto se
profissionalizou em 1957, indo morar em São Paulo(SP), treinado pelo
uruguaio Horácio Molina. Era lá a Meca do Boxe brasileiro na década de 50 e,
em menos de dois anos nos profissionais, Fernando alcançava a marca de 30
combates, sem derrota, Record somente conseguido por um outro iniciante na
época, Eder Jofre.


Por incrível que pareça, dois fenômenos surgiram no Boxe brasileiro na mesma
ocasião. Um, Eder Jofre, teve em toda a sua carreira gente que o conduziu,
lenta e cautelosamente às lutas pelo título mundial, que ele,
meritoriamente conseguiu. O outro, Fernando Barreto, não teve a mesma sorte,
e só por isso não passou de uma grande esperança que jamais aconteceu.
Em 5 de dezembro de 1958, na cidade de Los Angeles/USA, o americano Don
Jordan, ganhava em 15 rounds, o título mundial dos meio-médios do então
campeão, seu compatriota Vigill Akins. Em 1959 Jordan concedeu revanche a
Akins e voltou a batê-lo por pontos em 15 tempos. Nesse mesmo ano, Jordan
pôs seu título em jogo contra Denny Moyer e manteve o cinturão em 15 rounds
de um bom combate.Don Jordan era contratado de Frank Carbo, empresário
ligado à Máfia do Boxe nos USA, e por desobediência aos "patrões", para não
ser morto, teve que deixar os Estados Unidos vindo para a América do Sul,
aportando em São Paulo(SP).


(Este texto foi publicado no Jornal dos Sports, no domingo, coluna Papos e
Sopapos,em 2 de julho de 2000)
(CONTINUA)


Paulo Godinho