FERNANDO BARRETO, O FENOMENO QUE NÃO ACONTECEU

Prof. Paulo Roberto Godinho
22 de fev. de 2017
Com esse título, publiquei em três domingos consecutivos na minha coluna Papos e Sopapos, no Jornal dos Sports, RJ, uma série de três artigos sobre a verdadeira Odisseia que foi a vida do boxeador brasileiro Fernando Barreto.
Conheci-o em 1958 quando eu cheguei ao C.R. Vasco da Gama para treinar Boxe. Fernando já era um profissional destacado, morava em São Paulo (SP) onde o Boxe realmente vivia um momento de muito destaque e importância. Às vezes Fernando vinha ao Rio e passava lá pelo seu antigo Clube para rever antigos colegas e treinar lá. Esta série de três artigos são muito tristes, especialmente pelas ironias da Sorte na carreira de um lutador em que muita gente apostava no futuro, e que o correr dos anos e acontecimentos, mostraram um desenlace trágico, a mais triste história de um boxeador brasileiro.
Esses artigos, em sua primeira edição, saíram em : 2 de julho de 2000, 9 de julho de 2000, e 16 de julho de 2000.
Tive o reconhecimento de familiares do Fernando, especialmente de sua esposa e de seu filho (hoje falecido), que desconheciam coisas que eu recordara nessa série de artigos sobre o marido e o pai.
Por causa do impacto que este artigo causou, já então, no site Liga Paulista de Boxe (Reinaldo Carrera), me procurou Norberto Rezende, pugilista dos anos 50/60, e fizemos uma grande amizade.
Em 1961 eu iniciara no C. R. Flamengo, no Atletismo. Era a minha fase dos programas de TV, e as Emissoras me obrigavam a assinar um compromisso de não lutar, e, a obrigatoriedade de continuar treinando duro, não havia,pois eu já estava naquele ritmo de vida Rio-São Paulo havia dois anos, e eu fizera uma operação no punho direito (pseudo-artrose do escafóide) e nem Boxe eu poderia treinar, por isso, busquei o Atletismo. Primeiro no Vasco depois no Flamengo, onde me tornei amigo de Wanderley Queiroz, treinador de Boxe do CRF, que me acolheu no seu ginásio, e por pouco não me mandou à Olimpíada de Tokio em 1964. No ginásio do Flamengo, eu era visto como um atleta de Atletismo que ia lá fazer uns treinos, e nunca vou me esquecer do espanto do treinador argentino Salustiano Marquez, que o Téti Alfonso trouxera para morar no Rio e dirigir os lutadores estrangeiros, argentinos, na sua maioria, que ele Téti trazia para lutarem no programa TV Rio Ringue; o Marquez não se conformava em saber que eu, na realidade, era um corredor e um saltador do CRF que "brincava" com argentinos e uruguaios que queriam um sparring de qualidade. Nesse particular, eu tinha o aval de dois grandes amigos, o Sr. Moacyr Lopes, da FMP e o Wanderley Queiroz, treinador do CRF.
No final do ano de 1964 o CRF resolveu acabar com as disputas de Boxe e, fechou o ginásio na sede da Praia do Flamengo, 64/68, e o Wanderley se transferiu para o Lhoyd Brasileiro, que tinha um enorme espaço para o Boxe na Praça XV de Novembro, nas Barcas. Nesse mesmo ano de 1964 eu fiz concurso para o Banco do Brasil e fui aprovado; participara daquele que seria o meu último programa de TV, na hoje extinta TV Excelsior, com o apresentador J. Silvestre; eu já atuava como jurado de Boxe e de Vale-Tudo na FMP, e acompanhei o Wanderley nos treinos no Lhoyd Brasileiro.
Em janeiro de 1965, o Banco do Brasil marcou para o final de março, a minha posse na agência de Maringá (PR), mas, enquanto eu ainda andava por aqui, ia regularmente três vezes na semana, treinar Boxe no Lhoyd Brasileiro, com o Wanderley. Os anos de Atletismo me deram um estado físico excepcional, e disso me recordo um sábado, em que o Sr. Moacyr Lopes pediu ao Wanderley, para escalar alguns lutadores, para servirem num teste de suficiência, que a FMP queria fazer para liberar uns três argentinos que o Téti Alfonso trouxera para lutar no TV Rio Ringue. Na sexta-feira o Wanderley escalou os sparrings, e eu me adiantei como voluntário, de uma coisa que era comum para mim. No sábado, os argentinos apareceram com o Salustiano Marquez, mas, nenhum dos escalados pelo Wanderley deu às caras naquele dia no CRF. Sobrou para mim.
Olhei para a turma, e vi que eram três ou quatro, mas todos, leves, galos, por aí. O Sr. Moacyr ia enchendo as fichas e eu permanecia dentro do ringue; saía um argentino, entrava outro. Em dado momento o Sr. Moacyr me chamou de lado e me perguntou: "Você está muito cansado ? Esse vai ser o último round, pois você já fez 18 aí em cima". Bendito Atletismo que me deixava fazer o que bem poucos profissionais seriam capazes de fazê-lo.
Além de ser divertido conhecer as técnicas, os enganos e as limitações de profissionais de uma Escola altamente categorizada, de 1959, ano em que eu iria estrear oficialmente pelo Gremio Cassio Muniz, até 1965, eu não fizera outra coisa senão "enganar a mim mesmo" que eu era um "lutador" de Boxe. Mas vamos voltar àquele dia de Janeiro de 1965, no Lhoyd Brasileiro. Eu acabara o meu treinamento, certamente um dos últimos que eu faria aqui no Rio, pois em Março eu já deveria estar no BB em Maringá, e esperava o Wanderley fechar o ginásio para descermos conversando até o ponto do ônibus. Surpreendentemente, recebemos uma visita ilustre, o Fernando Barreto, que desejava pular uma cordinha, bater um saco, coisinha leve. O Wanderley achou que era cedo ainda, já passava das sete da noite, e autorizou o Fernando a mudar de roupa e treinar.
Eu já estava de banho tomado, sentado no banco, apreciando o trabalho daquele grande lutador, a quem o Tempo e o Destino nunca lhe foram favoráveis. Estava lento, parecia cansado, e sua sombra à frente do espelho, nem de longe recordava aquele Fernando Barreto que fora uma das esperanças do Boxe Brasileiro nos anos 50 e 60. De repente, o Wanderley chegou a mim, e disse que o Fernando pedira a ele um sparring para dois rounds, coisa rápida; mas só havia eu no ginásio, os demais, já haviam ido embora. Não sei porque, mas ou foi o Wanderley que conseguiu me convencer, ou fui eu mesmo que vi ali, a minha oportunidade de testar-me com luvas, diante de um ícone do Boxe brasileiro. Foram os dois(ou três) rounds mais terríveis da minha vida no Boxe. Fernando não conseguia me achar e os meus jabs entravam sem pedir licença na cabeça dele. Ali na minha frente, sem nenhuma inspiração estava o nocauteador Fernando Barreto, um verdadeiro fantasma, tínhamos ambos 28 anos, e ele teria, meses depois, um compromisso pelo seu título de campeão sul-americano de médios, frente ao fenomenal argentino Jorge Fernandez. Quando tudo acabou eu descia com o Wanderley as escadas de ferro do Lhoyd, e conversávamos sem entender, o que o Fernando, mal como estava, iria fazer, no mesmo ringue com o argentino Jorge Fernandez. No ônibus, de volta à minha casa, aquilo não me saía da cabeça; Fernando não conseguira achar um "funcionário do Banco do Brasil", o que ele teria de melhorar, para defender o seu título? Cheguei a pensar que Fernando aliviara os rounds de luvas comigo, por gentileza, mas o futuro mostrou que as apreensões minhas e do Wanderley, tinham (como tiveram) justificativas.
Agora vocês vão poder ler e entender os três artigos "FERNANDO BARRETO,UM FENOMENO QUE NÃO ACONTECEU". Minha homenagem, minha saudade, meu reconhecimento à memória de um dos mais infelizes boxeadores que eu conheci.
Aguardem.