A Vitória de Ruíz e Jogada Oculta

02/05/2021

Por Jorge Luiz Tourinho

Cercada de apelos midiáticos, aconteceu no sábado 1 de maio a luta entre Andy Ruíz e Chris Arreola. Mais um programa do Premier Boxing Champions (PBC) transmitido para o mundo. Dessa vez desde Carson, Califórnia. Chegou ao Brasil via FOX Sports.

Foi um evento para enaltecer as virtudes dos boxeadores de origem mexicana. O combate final, inexplicavelmente, foi anunciado como uma eliminatória para o título pesado da Associação Mundial de Boxe (AMB). Abaixo, tentarei mostrar o absurdo que isso é. Ruíz, um ex-campeão mundial dessa divisão, veio repaginado. Mais magro, foi definido como o Novo Andy Ruíz. De fato, modificou a forma aguerrida que o levou a vencer Anthony Joshua. Embora com muita velocidade nos punhos e nas esquivas de golpes frontais, preferiu, a partir dos sustos que levou nos segundo e terceiro assaltos, boxear para levar vantagem nos rounds sem a preocupação de abreviar a disputa.

Mais veloz, se expôs ao buscar a troca mais intensa. Sofreu uma queda no segundo capítulo e ficou nos calcanhares no terceiro por duas vezes. Ainda, na minha opinião, perdeu o quarto tempo para dominar sem riscos até o final. Fiquei com a impressão que esse Novo Ruíz não será mais admirado do que o antigo. A rapaziada que esteve no local - os EUA estão liberando o público gradualmente - mostrou grande empolgação quando foi buscado o toma-lá-dá-cá. A maioria gosta mais da trocação insana do que o boxe jogado. O gosto que deixou, apesar do triunfo, foi que poderia ter acabado antes do tempo.

Arreola também apresentou uma nova versão de si mesmo. O lutador agressivo e pegador deu lugar a um que se fecha e espera o momento para o contragolpe. Talvez por conta dos seus 40 anos ou por já ter sido nocauteado. O fato é que contra Ruíz poucas foram as ocasiões para contragolpear e a derrota foi se desenhando sem que ele e seu preparador, Joe Goossen, mudassem o script. Os juízes viram: 117-110 e 118-109 (duas vezes). O comentarista Eduardo Ohata e eu marcamos 116-111.

A jogada oculta que penso ter descoberto é a seguinte: essas entidades (no caso AMB e CMB) estão vendendo lugar de desafiante obrigatório. Troço complemente inaceitável porque há Comitês de Classificação e de Campeonatos. Os rankings têm os desafiantes. A dinâmica do esporte faz com que haja um vai e vem natural. A norma existente até hoje na União Europeia de Boxe é a que valia na década de 1990 nas entidades que citei. Uma luta com o desafiante opcional (qualquer um da relação) e a seguinte com o desafiante obrigatório (o primeiro disponível pela ordem de classificação). Ou com a ordem inversa. O absurdo se vê quando Andy Ruíz vai acabar passando a frente de Usyk e Joyce.

Preliminares exibidas.

Meio médios - Jesús Ramos (16-0) W10 Javier Molina (22-4).

O vencedor tem apenas 20 anos e é candidato a futuro craque. Nessa categoria, chamada em espanhol de welter, a pegada faz toda a diferença. Molina tem excelente linha pugilística mas carece de dinamite nos punhos. Para compensar, teria que ser um gênio na defesa e velocíssimo na aplicação de socos. Ramos, além da cavalar pegada tem a guarda sempre fechada e ativa. Deverá ir longe. As papeletas foram: 97-92 e 99-90 (2). Ohata 99-90 e eu 96-93.

Médios ligeiros - Sebastián Fundora (17-0-1) TKO4 Jorge Cota (30-5).

Também anunciada como eliminatória para título do Conselho Mundial de Boxe (CMB). Barbaridade! Vendo essa autêntica briga de rua o observador atento dirá que nenhum dos dois deve ser desafiante mundialista. Falta muita evolução para ambos. Trocação maluca que empolgou o público. Fundora foi para a loucura mesmo tendo altura e envergadura muito maior. Uma queda no quarto tempo provocou a precipitada intervenção do mediador. Cota estava consciente e ainda vivo no combate.

Meio médios - Abel Ramos (27-4-2) TKO7 Omar Figueroa Jr (28-2-1).

Outra eliminatória da AMB incompreensível como a forma como atuou o perdedor. Luta nesse nível exige um cuidado maior. Figueroa usou um sistema de guarda e aproximação totalmente estranha e ineficiente. Pareceu-me que se acercava de Ramos para... apanhar! Abel demorou dois assaltos para entender o que se passava e aí esbordoou sem piedade. Todo amarrotado, Figueroa desistiu no intervalo do sexto. Já havia visto um desafiante abandonar disputa de título mundial dos pesados por estar com depressão. Foi Oliver McCall contra Lennox Lewis. Se Omar não estiver doente, não me surpreenderia se houver alguma dependência química.


Foto:  Los Angeles Times