A HISTÓRIA DO BOXE

Paulo Roberto Godinho
(25/10/24)
 
RINGUES, LUVAS E REGRAS
As lutas, fossem elas com os pés ou braços, sempre existiram , desde que o homem se pôs em pé e caminhou.

Na Antiguidade, nos primeiros Jogos Olimpicos na Grecia,, aquilo que mais perto chegaria do que hoje conhecemos como Boxe, era disputado entre dois lutadores nús , como era costume na época em qualquer prova atlética, se degladiarem sem regras, que não fossem golpes nos olhos e nos genitais; e somente as mãos, envolvidas em tiras de couro cru, que só serviam para machucar o adversário, tornando os combates , sem limites de tempo nem rounds, os mais terríveis que se possa imaginar.

O chamado Boxe, praticado apenas com os punhos, documentalmente provado, começou em terras inglesas por volta de 1715, com o inglês James Figg.

Figg, nascido em 1695, era dono de uma escola de lutas por ele denominada "O Anfiteatro", na Oxford Road, no Condado de Essex.

N' O Anfiteatro eram praticadas três modalidades de lutas:

1 – Bastão e Espada: lutas com bengala, bastão, sabre ou espada;

2 – Savate: luta de origem francesa, com o uso de pernas e braços;

3 – Boxing : luta onde somente os punhos eram usados.

No Boxing não haviam categorias de peso; lutavam todos contra todos, independente de pesos e alturas; e o Boxing ou Boxe inglês era praticado sem nenhuma proteção nas mãos, absolutamente vazias.

James Figg realizava lutas de Boxing em Feiras e Festivais por toda a Inglaterra, onde ele próprio participava. Tinha 1,83 m de altura e pesava 83 quilos. Isso representava uma enorme vantagem, pois a altura média d e um homem na época era de 1,60 m

James Figg se apresentava como "O Mestre da Nobre Ciência da Defesa" e, em 1719, aos 24 anos de idade, Figg foi aclamado campeão Mundial de Boxing , o primeiro na história desse esporte.

As lutas eram realizadas, sem tempo e limite para terminarem, o que só acontecia por desistência dos lutadores , de seus segundos, ou por total impossibilidade física de prosseguirem nos combates(KO). Inicialmente, esses combates eram disputados com as mãos descobertas (punhos nús) , o que, não raras vezes ocasionava fraturas nas mãos dos praticantes.

O interesse geral do povo e da nobreza em particular, fez com que Figg fundasse outros Anfiteatros em diversas cidades inglesas e assim, o esporte ia ganhando adeptos na Inglaterra e em outros países, como os Estados Unidos que começaram sua prática. Não haviam ringues, regras nem luvas, mas sim a coragem e o entusiasmo de seus praticantes, que, não raras vezes acabavam seus combates em péssimas condições físicas.

O povo encarava o Boxing como uma forma saudável de mostrar valentia , mas a nobreza, pensando inicialmente em se preservar, ao menos nos treinos, criou as primeiras proteções para as mãos (luvas), que eram chamadas "muffers". Os nobres praticavam o Boxing, mas os danos físicos eram consideravelmente menores para os praticantes usando muffers.

Figg morreu em 1740, aos 45 anos de idade.

Com sua morte O Anfiteatro ficou nas mãos de alguns de seus alunos que nada fizeram pelo bem do esporte, começando então a surgir pretendentes ao lugar do falecido campeão, entre eles dois ingleses, Jimm Gretting e Tom Pipes. Ficou estabelecido que o novo campeão sairia de uma série de três lutas que ambos realizariam. Pipes venceu duas delas, sagrando-se campeão, mas o povo não o aceitava, como ocupante do lugar que Figg deixara.

Surgiu então George Taylor, um antigo aluno de Figg, que na morte do mestre herdara a direção d' O Anfiteatro. Taylor desafiou Pipes e o venceu, mas pouco tempo depois surgiu Jack Broughton, um outro aluno de Figg que desafiou Taylor e o derrotou com incrível facilidade, mostrando técnicas de combate até então desconhecidas, tornando-se de fato um sucessor do mestre Figg e um ídolo do Povo.

JACK BROUGHTON, O PAI DAS REGRAS DO BOXING
Jack Broughton nasceu em Circencester, Inglaterra. Fisicamente era um privilegiado, medindo 1,80m e pesando pouco mais de 80 quilos, além de ser muito criativo e inteligente, o que o fazia praticar o Boxing de maneira diferente da totalidade dos outros lutadores, baseando seu jogo em técnicas defensivas, o que o preservava fisicamente nas lutas.

Isso lhe valeu as simpatias de um "Mecenas", o Duque d e Cumberland, irmão do rei George II, que acabou patrocinando uma academia para Broughton, além de leva-lo para chefiar sua Guard Pessoal.

O sucesso de Jack Boughton provocou a inveja e o ciúme de outros lutadores, entre eles o ex-campeão George Taylor, de quem Broughton arrebatara o título.

Desejando vingar-se do seu vencedor, Taylor começou a treinar e a promover um novato de nome George Stevenson, um cocheiro de Yorkshire que começava a se destacar nas lutas de Boxing na Inglaterra.

Foi iniciada um campanha pelo direito de Stevenson desafiar Broughton pelo título, e a coisa ganhou vulto, quando o Principe de Gales mostrou suas simpatias por Stevenson, e o combate acabou por tornar-se uma competição entre dois nobres, o Duque de Cumberland, que apadrinhava Broughton e o Principe de Gales, que a dotara Stevenson.

Foi um combate desigual, onde Jack Broughton arrasou George Stevenson em 35 minutos, pondo fim à luta com um golpe no diafragma do adversário, golpe esse que passou a ser conhecido como "A Marca de Broughton".

No dia 16 de Agosto de 1745, o campeão Jack Boughton reuniu em sua academia treinadores e pessoas influentes nos meios pugilísticos da Inglaterra e lhes propôs um conjunto de regulamentos para a prática do Boxing, que se tornava mais e mais popular naquele país e fora dele.

Vinte e nove itens que receberam o nome de "London Prize Ring Rules", regras que foram imediatamente aceitas, pela nobreza e pela plebe que também se interessava por aquele esporte.

AS REGRAS THE LONDON PRIZE RING
As novas propostas de Jack Broughton começavam por definir o lugar onde os combates deveriam ser realizados, o ringue.

Num piso de grama, pois as lutas na ocasião eram realizadas em ambientes abertos. Era determinado um espaço quadrado que variava de 4,90 m a 6 m de lado, cercado por 8 postes de madeira, onde duas fileiras de cordas limitavam a área de combate. A primeira corda ficava a 60 cm do chão, e a segunda, a 1,20 m, o que equivale dizer, que as cordas eram espaçadas por 60 cm entre elas.

Os pugilistas amadores lutavam em ringues de 4,90 m de lado, enquanto os profissionais, nos de 6 m.

Em algumas regiões da Inglaterra, lutas envolvendo gente do povo , eram realizadas naquilo que eles mesmos chamavam de Ringue Popular . Um piso duro de pedra ou terra, sem cordas ou mourões de madeira para marcar - lhes a área de combate, mas limitados pelos próprios assistentes, que unidos de braços dados, cotovelos-com-cotovelos, estabeleciam o espaço da luta. O ringue adotado pela The London Prize Ring Rules, era chamado pelo Povo, de Ring Aristocrático.

As regras de Broughton determinavam que a única arma no Boxing eram os punhos dos lutadores, sem nenhuma proteção nas mãos.

Ficavam proibidos golpes nos genitais, cabeçadas, chutes e joelhadas.

Um lutador derrubado tinha 30 segundos para por-se em pé e voltar a combater.

Foram criadas as luvas, que inicialmente eram chamadas de "muffers" ( em inglês pode ser traduzido por amortecedor, cachecol) , que não eram usadas para os combates, mas para as seções de treinamentos, especialmente porque a nobreza começava a se interessar pelas lutas e era uma forma dos praticantes se machucarem menos.

No ano de 1855, às regras The London Prize Ring foram incluídas as categorias de peso, três ao todo:

1- LEVES : até 63 quilos ou 140 libras;

2- MÉDIOS : de 63 a 71 quilos ou de 140 a 158 libras;

3- PESADOS : além de 71 quilos ou mais de 158 libras.

As regras The London Prize Ring vigoraram na Inglaterra e em todos os países que praticavam o Boxing, de 1743 até 1865, quando foram alteradas em mais de 12 itens e passaram a ser conhecidas como Regras Queensberry.

Em 10 de Abril de 1750, aos 46 anos de idade, Jack Broughton enfrentou Jack Slak, um fortíssimo lutador de Bristol que lhe impôs fragorosa derrota. Nessa luta o Duque de Cumberland perdeu 50 mil libras, o que o fez desistir do Boxing e de apadrinhar lutadores. Jack Broughton, por sua vez, continuou como mestre da arte que ele transformou, de uma luta desumana e violenta, num esporte perfeitamente regulamentado e aprovado pela nobreza, que o denominou "NOBRE ARTE". Broughton morreu em Janeiro de 1789 aos 85 anos, ainda lembrado e respeitado.

AS REGRAS QUEENSBERRY
Em 1864, logo após o término da Guerra Civil

Americana, dois ingleses, admiradores e praticantes do Boxing, John Graham e John Sholto Douglas , partiram em viagem aos Estados Unidos para assistirem lá ,lutas de Boxing, observarem regras e conhecerem lutadores.

John Graham era um antigo campeão de pesos leves em seu país, e John Sholto Douglas, o 8º Marquês de Queensberry, destacado cavaleiro do Jockey Club Inglês, em provas de steeple chase, espécie de corridas de cavalos com obstáculos.

De retorno à Inglaterra elaboraram 12 itens e os mostraram aos dirigentes do Boxing naquele país, que os aceitaram e os incluíram à velha e tradicional The London Prize Ring Rules.

Essas mudanças viriam a tornar o Boxing mais competitivo e mais humano.

Oficialmente, elas passaram a vigorar em 1865 e, de todos os seus ítens, esses foram os mais importantes:

# As lutas seriam divididas em tempos limitados de rounds, de 3 minutos de duração cada, por 1 minuto de descanso entre ada um deles;

# O lutador derrubado não poderia ser golpeado no chão; e definia o que ra um "lutador derrubado": estando caído no solo ou caído apoiado nas cordas. Considerava-se "down" o lutador que estivesse com qualquer outra parte do corpo que não a sola dos pés, apoiado no solo, nas cordas ou nos mourões do ringue;

# Uso obrigatório de luvas; sempre da melhor qualidade e novas. Uma vez danificadas em combate, deveriam ser trocadas com a supervisão do árbitro;

# No ringue, os lutadores não poderiam usar botas ou sapatos com saltos, e sim calçado de sola lisa;

# O lutador derrubado não poderia ser golpeado enquanto estivesse no chão, senão depois de totalmente erguido, mas s em a ajuda dos seus segundos.

O MARQUÊS DE QUEENSBERRY
O nome de John Sholto Douglas, Marquês de Queensberry não só está ligado à História do Boxe , como também à Literatura inglesa, mais diretamente à Vida de um dos maiores escritores que viveram naquele país, Oscar Wilde.

Em 1892, um escândalo abalou a Sociedade Britânica; o consagrado escritor e teatrólogo Oscar Wilde, deixava a esposa e dois filhos para manter um caso homossexual com um menor de 16 anos, de nome Alfred Douglas, um dos filhos do Marquês de Queensberry .

Em meio a uma discussão num Clube da alta sociedade inglesa, o Marquês acusou Wilde de homossexual, o que gerou um processo do escritor contra o nobre inglês, que acabou ganhando a questão e Oscar Wilde foi condenado a dois anos de reclusão na Penitenciária de Old Bailey, onde escreveu o livro "De Profundis", também conhecido como "A Balada do Cárcere de Ridding".

Oscar Wilde deixou a prisão em 1897 e foi residir em Paris, na França, onde morreu em 1900.

O RINGUE DE BOXE ATRAVÉS DOS TEMPOS
O ringue, local das lutas de Boxe a partir das chamadas Regras Queensberry, foram sofrendo algumas modificações.

Os velhos ringues escorados por oito pilares e duas seções de cordas, acabaram por darem lugar a outros de quatro pilares e duas seções de cordas, que o passar dos anos acrescentou mais uma seção de cordas, completando três em cada lado do quadrado, que se mantinha, de 4,90 m a 6,10 m de lado.

Cordas mantidas esticadas por parafusos metálicos, que para segurança dos lutadores, eram cobertos por uma proteção de flanela ou couro simples, cobrindo às ferragens. E, à lona do piso, adicionavam breu moído, para melhor fixação das sapatilhas dos lutadores.

Presumo que esse tipo de ringue foi usado por muitas décadas, até que acidentes, começaram a abrir os olhos dos dirigentes, que começaram a criar modificações, para a segurança dos lutadores.

Tudo começou naquela noite de 14 de Setembro de 1923, no Polo Grounds, NY, quando o argentino Luis Algel Firpo mandou Jack Dempsey às cordas e elas se abriram e Dempsey caiu fora do ringue.

Algumas programações de Boxe nos USA passaram a usar uma cordinha fina amarrada às tres cordas de cada lado do quadrilátero, espaçadores fixos, para evitar quedas, mas nem todos usavam essa segurança. Criaram também as abas externas dos ringues, em pouco mais de cinquenta centímetros de largura e foi tudo o que de melhor se viu nos ringues.

Por décadas, usaram ringues de três cordas com ou sem espaçadores com pouca proteção nas ferragens dos corners, até que, na noite de 24 de Março de 1962, no Madison Square Garden lutavam por um título de meio-médios, o americano Emille Griffith e o cubano Benny " Kid" Paret , e, no 12º round, Griffith encostou Paret num dos corners e o acertou na cabeça; ele dobra as pernas mas ficou preso às cordas, recebendo vinte e um sôcos sem poder se defender, o que levou o árbitro Ruby Goldstein suspender o combate e Paret escorregou desmaiado para a lona. Dali para um hospital, onde o cubano foi operado e não resistiu, morrendo no dia 3 de Abril.

Isso gerou diversos protestos e opiniões, inclusive campanhas para que se adotassem novas medidas de segurança nos ringues, e , passou-se a usar ringues de quatro seções de cordas, anos mais tarde, essas cordas eram recobertas com tecido; quatro espaçadores em cada lado do quadrado, e almofadões cobrindo parcial ou totalmente aquelas áreas dos corners.

Hoje, nesses envólocros das cordas, e nos espaçadores, usa-se publicidades, bem como nas lonas dos ringues e nos almofadões dos corners.

O uso de breu na lona dos pisos dos ringues, acredito, não é mais usado.

O RINGUE NOS REGULAMENTOS DA CBB

(buscar nos regulamentos da CBB e nos Organismos Mundiais esses detalhes dos ringues)

A ERA MODERNA DO BOXE ATUAL
Com as chamadas Regras Queensberry, o Boxe ganhava novos procedimentos e elas são o divisor de águas entre duas Eras , a antiga, chamada "Era dos Punhos Nús", regido pela The London Prize Ring Rules, anteriores às Regras Queensberry, e a "Era Moderna", aquela, onde eram usadas todas as mudanças estabelecidas nas Regras do Marquês de Queensberry.

O Boxing ultrapassava as fronteiras da Inglaterra e já se tornava uma prática muito difundida, no Estados Unidos, onde começaram a organizar torneios e campeonatos, que já eram constantes nos tempos do Boxing de Punhos Nús, mas com as Regras Queensberry, tornavam-se mais competitivos e mais humanos.

Nos Estados Unidos, coube ao lutador John L. Sullivan, a glória de ter sido o último campeão mundial da Era Antiga, e o primeiro nas Regras Queensberry , chamada Era Moderna.

A ERA MODERNA
John L. Sillivan foi o último campeão mundial pesado da Era dos Punhos Nús, e o primeiro da Era Moderna, com a s Regras Queensberry.

Em 1892 Sullivan perdeu seu títiulo para James "Jimmy" Corbett, que veio a perde-lo para o inglês Bob Fitzsimmons em 1897. Dois anos depois, em 1899, Fitzsimmons perderia para o americano James Jeffries, que reinaria absoluto até 1905,quando se retirou do Boxe sem sofrer derrotas.

Para suceder Jeffries fizeram um Torneio, vencido pelo americano Marvin Hart , que reinou de 1905 até 1906, quando foi derrotado pelo canadense Tommy Burns em 1906.

Começaria ali uma revolução no mundo do Boxe, que deu oportunidade aos negros disputarem aqueles campeonatos exclusivamente permitidos a lutadores brancos. Essa história assim se conta:

O ODIADO JACK JOHNSSON
Enquanto manteve o título de campeão mundial, o americano John L. Sullivan nunca admitiu lutar contra negros, embora o Boxe norte-americano mostrasse muitos deles com reais capacidades para disputarem títulos.

Esse procedimento acarretou uma divisão racista neste esporte, que mantinha campeonatos abertos somente para negros e os de "nível mundial", somente para brancos.

Em 1906 o canadense Tommy Burns ganhou o título mundial dos pesos-pesados e, isento de preconceitos raciais começou a aceitar lutas contra boxeadores de qualquer cor ou credo.

No lado dos boxeadores de cor, existia um gigante de 1,90m de altura e punhos demolidores chamado Jack Johnsson, popularmente chamado "A Maravilha Negra", mas, por mais popularidade que tivesse, nenhum dos brancos campeões de sua categoria, haviam permitido que ele estivesse com eles no mesmo ringue, até ali.

O empresário americano Tex Rickart ofereceu uma bolsa de US$ 35.000,00 ao campeão Tommy Burns para colocar seu título em jogo contra o negro Jack Johnsson e vendeu o espetáculo para patrocinadores australianos, que realizaram a luta em Sidney, Australia, no dia 26 de Dezembro de 1908 .

Johnsson demoliu Burns em 14 rounds, e com isso ganhava o ódio da América racista, que não se conformava em ter um campeão mundial de pesos pesados, que não fosse branco.

Jack Johnsson não era apenas um negro que ganhara o campeonato dos pesados, mas um rebelde de longa data, que buscava igualdade racial, num país em que a gente de sua cor era tratada como sub-raça, onde se dizia não haver mais escravidão , mas os negros ainda viviam e eram tratados como escravos.

Enquanto Johnsson lutava nos campeonatos abertos a negros, pouca importância lhe deram, mas agora, ele era o mais importante atleta do mundo e modelo para as gerações da época.

Johnson chocou a Sociedade Americana quando começou a aparecer em festas e eventos importantes ao lado de mulheres brancas.

Era vaidoso, vestia-se com esmero e tinha o sorriso largo e a simpatia dos que estavam de bem com a Vida.

Quando menos esperava, foi preso e levado à presença de um juiz, acusado de ser um cafetão de mulheres brancas.

Contam, que, com aquele sorriso que o caracterizava, e um charuto na boca, Johnsson apresentava ao juiz a certidão de casamento com aquela mulher que estava a seu lado, e aí, chegou à conclusão, que os Estados Unidos não era mais o melhor lugar do mundo para ele viver. Mudou-se para Paris, onde suas lutas recebiam cada vez mais público e sua fortuna multiplicava-se.

Lá, ele e sua esposa branca poderiam ir ao Teatro, à Ópera, ou às Corridas de Cavalos sem serem molestados ou discriminados.

Nos Estados Unidos eram realizados torneios para lutadores brancos na categoria dos pesos-pesados, com o título de "A Esperança Branca", mas não surgia ninguém com reais condições para superar a "Maravilha Negra".

James J. Jefries fora campeão de 1899 a 1905, quando se retirou sem perder para ninguém e vivia em sua fazenda, tranquilo e longe dos ringues, apenas usufruindo a fortuna que o Boxe lhe proporcionara; quatro anos de inatividade.

Em 1909 Jefries foi procurado por empresários que tentaram convencê-lo retornar os treinos para lutar pelo título que lhe pertencera, elegendo-o "A Grande Esperança Branca", e chamando o possível combate entre ele e Jack Johnsson, a "Luta do Século".

Até então o Boxe nunca vira tanto dinheiro rolando para uma só luta.

A Johnsson lhe ofereceram uma bolsa de US$ 350,000.00 para lutar nos Estados Unidos com o ex-campeão James "Jimmy" Jefries.

Foram meses de muita propaganda e discussões financeiras, mas o combate foi afinal realizado em Reno, Nevada, no dia 4 de Julho de 1910, dia da Independência Americana.

Em meio ao castigo que Johnsson impunha a Jefries, no 15º round, Sam Berger, o segundo-chefe de Jefries, jogou a esponja no ringue, dando a luta como perdida para o ex-campeão. KO no 15º tempo.

Jack Johnsson retornava à França deixando atrás de si um rastro de ódio que ainda duraria mais cinco anos.

As saudades de sua pátria, a fortuna que conseguira e a idade de 37 anos , já mostravam à Maravilha Negra que ele estava na hora de deixar o Boxe e retornar à sua terra.

Contam os historiadores que foi oferecido a Jack Johnsson, uma soma fabulosa para ele lutar nos Estados Unidos contra um jovem branco de 2 metros de altura de nome Jess Willard.

Não se sabe exatamente se estava prevista a derrota de Johnsson, mas o que se viu no ringue, até hoje deixa dúvidas se a Maravilha Negra "entregou" a luta .

O combate se realizou em Havana, Cuba, no dia 5 de Abril de 1915, num estádio de baseball , num dia ensolarado.

No 26º round, Johnsson caiu ou jogou-se no chão , levando as luvas à altura dos olhos, tapando-os do Sol., ouvindo a contagem até dez.

Para sossêgo da America racista, o cinturão dos pesos-pesados voltava à posse de um lutador branco.

Tempos depois, Jack Johnsson voltava a morar nos Estados unidos, onde fez mais algumas lutas.

Uma vez aposentado do Boxe, passou a usufruir de sua fortuna, adquirindo automóveis rápidos, paixão que o levaria à morte, aos 68 anos, em 1946.

Jack Johnsson está enterrado no cemitério de Graceland, em Chicago. Em 1990 Johnsson ingressou no Boxing Hall of Fame.

O FABULOSO JACK DEMPSEY
Os anos 20 foram pródigos em ídolos em todos os setores da vida americana.

Nesses anos luziram as estrelas de Al Jolson (música), Babe Ruthe (baseball), Charles Chaplin (Cinema), Henry Ford (indústria automobilística), e Jack Dempsey (Boxe).

Pode-se dizer, sem a menor sombra de erro, que, com Jack Dempsey começou a ser escrita a história do Boxe profissional no mundo . Ele surgiu e se fez mito numa época em que o cinema mudo era a grande novidade, e o Radio dava seus primeiros passos. Seu nome, em sua época era sinônimo do próprio Boxe, que passou a ser representado por sua figura forte e simpática.

William Harrison Dempsey nasceu na pequena cidade de Manassa , no Colorado, em 24 de Junho de 1895, sendo sua mãe uma mulher rústica que amava lutas e tinha o campeão John L. Sullivan como ídolo.

Dempsey nasceu predestinado a ser um lutador, cedo recebendo da mãe uma biografia de Sullivan com uma recomendação: " Seja o próximo John L".

Aos 15 anos já estava trabalhando como mineiro, cavando nas minas de prata do Colorado.

Um dia, um companheiro valentão lhe jogou lama no rosto, Dempsey atingi-o com um só soco, acabando com a briga; ele ganhara a luta mas era demitido da mina.

Passou então a perambular pelos salões do Colorado lutando por algum dinheiro contra forasteiros e, nesse ofício, adotou o nome de Kid Blackie.

Certa vez, num desses saloons, viu dois vagabundos surrando um homenzinho baixo, mas muito valente. Meteu-se na briga em defesa do fraco e acabou conhecendo aquele que, dali pra frente dirigiria toda a sua carreira de extraordinário lutador, o lendário Jack "Doc" Kearns, que, muitos anos depois , também treinaria o famoso Archie Moore .

Kearns conhecia muito de Boxe e começou a burilar o jovem e violento Kid Blackie , que passou a chamar-se Jack Dempsey e se notabilizou na época por uma série de vitórias por KO no primeiro round.

Em 5 de Abril de 1915, o gigante branco Jess Willard destronara o negro Jack Johnsson ; fizera uma defesa de título em 1916 e dedicara-se a viajar pelos Estados Unidos em lutas exibição, que raramente duravam três rounds . Assim foi nos anos de 1917 e 1918.

Jack Kearns sentiu que era chegada a chance de Dempsey candidatar-se ao título de Willard.

Dempsey lutava seguidamente, enquanto o campeão, deitado nos louros, arrecadava muitos dólares e aos poucos ia se deixando apodrecer pela boa vida.

"Doc" Kearns armou um esquema promocional perfeito e, no início de 1919, toda a América queria ver Jack Dempsey, o demolidor de punhos de ferro e queixo de granito, enfrentar Jess Willard pelo título.

Em 4 de Julho de 1919, dia da independência dos Estados Unidos, na cidade de Toledo, Ohio, Dempsey e Willard lutaram pela coroa dos pesados. O gigante Jess Willard foi derrubado sete vezes no primeiro round e capitulou no terceiro.

O Demolidor de Manassa era o novo campeão mundial dos pesos pesados e maior ídolo esportivo dos Estados Unidos.

Por essa época um novo personagem veio a se juntar a Kearns e a Dempsey; Tex Rickart, um empresário de grandes realizações , que levou Dempsey a bater records de arrecadação ainda não alcançados por nenhum outro esportista.

Em Fevereiro de 1920, Dempsey foi acusado pelo Juri Federal de San Francisco por informações falsas ao Serviço e Seleção e Recrutamento daquela cidade para a I Guerra Mundial. Sua própria esposa, Maxine Cates testemunhou contra ele, e o prestigio do campeão decaíu . Seu empresário Tex Rickart viu uma saída luminosa para o caso.

A França e toda a Europa reverenciava como Herói de Guerra, ao campeão mundial de pesos meio-pesados, o francês George Carpentier.

Da França, Carpentier recebera as condecorações "Cruz de Guerra" e "Medalha Militar". Carpentier não era um estranho na América , pois estivera lá em 12 de Setembro de 1920 , lutando contra o campeão Batling Levinsky, ganhando dele por KO no 4º assalto, levando para a França, o título mundial dos meio-pesados.

Tex Rickart vislumbrou ali a chance que precisava para reabilitar Dempsey, promovendo o combate do vilão norte-americano e o herói europeu, sem correr riscos , já que Dempsey era um pesado natural, e Carpentier um meio-pesado.

Essa programação ganhou expressão , e tudo fazia crer que somas astronômicas surgiriam nesse encontro de ídolos de dois continentes, como jamais se vira antes.

Doc Kearns exigiu para Dempsey a quantia de US$ 300,000.00 ,mais 25% dos direitos de filmagens da luta enquanto a Carpentier eram garantidos US$ 200,000.00 e outros 25% das filmagens, totalizando US$ 500,000.00 somas jamais alcançadas em lutas de Boxe em qualquer país do mundo.

Nathan Miller, recém-eleito Governador de New York, não aceitou a luta Dempsey–Carpentier no seu Estado , pois achava um absurdo, dois lutadores terem garantias maiores de meio milhão de dólares por poucos minutos de luta, enquanto centenas de americanos estavam desempregados.

Rickart e Kearns blefavam pela imprensa ; que tinham garantias de um milhão de dólares por parte de milionários cubanos ,mas o mal estar criado, afastou alguns sócios daquele empreendimento.

Surgiu então a figura de um judeu de nome Mike Jacobs (o futuro empresário de Joe Louis) muito ligado a shows da Broadway que direcionou a promoção com a venda antecipada de ingressos e, para garantir público, começaram a construir, todo em madeira o que se chamou BOYLE'S THIRTY ACRES, um estádio para 90.000 pessoas, num terreno em Jersey City.

Todo o marketing da luta estava baseado num elegante herói de guerra, querido na Sociedade Européia, apelidado "O Homem Orquidea" , título de um dos filmes que George Carpentier participara , contra um lutador animalesco, um homem sem charme, que havia sido declarado irresponsável, por um Juri Federal.

Tex Rickart soube vender o show montado por Mike Jacobs , chegando rapidamente a um milhão de dólares na venda antecipada de ingressos.

Jersey City, sábado, 2 de Julho de 1921, 80.000 pessoas compareceram ao Boyle's Thirty Acres, proporcionando uma arrecadação de US$ 1,779,238.00,fora filmagens e transmissões radiofônicas para o mundo inteiro, que desejava acompanhar Jack Dempsey e George Carpentier , a chamada Luta do Século, e a primeira vez, que uma luta de Boxe era transmitida pelo Radio para todo o Estados Unidos e alguns países do mundo. Em torno do ringue viam-se figuras de destaque da época como: Charles Chaplin Douglas Fairbanks, Marie Pickford, Henry Ford e os ex-, campeões James Jefries, Jimmy Corbett e Jess Willard.

Jack Dempsey, 1,85 m e 87,540 kg, enquanto George Carpentier, 1,80 m pesou 79,180 kg; Harry Eartley foi o árbitro desta luta.

A classe, a fibra do francês não foram suficientes para conterem a fúria do Demolidor de Manassa ; Dempsey venceu por KO no 4º round, recuperando seu prestígio nos Estados Unidos e ganhando o mundo, que o elegeu e o endeusou.

Dempsey ainda faria combates memoráveis, como em 1923, contra o argentino Luiz Angel Firpo, que o atirou com um golpe para fora do ringue logo ao primeiro round, mas sucumbiu desacordado na lona no segundo.

Em 1926 e 1927 aconteceram as duas lutas contra Gene Tuney, nas quais Dempsey perdeu seu título e não conseguiu recuperá-lo por absoluta falta de conhecimento de regras e por seu próprio temperamento agressivo e quase irracional.

Em 4 de Março de 1928 Jack Dempsey anunciou sua retirada do Boxe, deixando um cartel de 78 lutas, 62 vitórias, 6 derrotas, 10 empates, com 49 KOs , sendo, 26 deles, no primeiro tempo.

Em 1954 foi eleito para integrar o Boxing Hall of Fame. Morreu em New York aos 88 anos no dia 31 de Maio de 1983,e foi enterrado com honrarias de herói.

A ERA PÓS DEMPSEY
Jack Dempsey foi o primeiro ídolo do Boxe mundial, e até hoje, sua garra, sua fibra e o poder de fogo de seus punhos são lembrados quando se deseja exemplificar um verdadeiro campeão.

A Dempsey sucedeu Gene Tunney, que o venceu em 23 de Setembro de 1926 e se retiraria sem ser derrotado em 1928.

Seguem-se os reinados do alemão Max Schmeling, de 1930 a 1932; o americano Jack Sharkey supera Schmeling e mantém o título de 1932 a 1933 ; o italiano Primo Carnera ganha o título de Sharkey em 1933,mas o perde para Max Baer , em 1934. Em 1935 o veterano James "Jimmy" Bradock derrota Baer e mantém a coroa dos pesados até 22 de Junho de 1937, quando é derrotado por Joe Louis que conseguiu o maior reinado de um peso pesado no mundo, fazendo 25 defesas bem sucedidas de seu título em doze anos de carreira .

Joe Louis se retirava em 1º de Março de 1949, sem perder seu título . Era a vez de Ezzard Charles que foi o campeão de 1949 a 1951; Joe Wallcott ganhou o título em 1951 e veio a perde-lo para Rocky Marciano, em 1952 , que o manteve até 1956, quando anunciou sua retirada sem perder. Seguiram-se Floyd Patterson, 1952 a 1956; Ingemar Johansen , 1959 a 1960; Floyd Patterson recupera seu título em 1960 e o mantém até 1962 , quando é derrotado por Charles Sonny Liston, que mantém o título até 1964, quando é derrotado por Cassius Clay, que, em 1967 é despojado de seu título por recusar-se a servir o Exercito americano, iniciando naquela hora a maior onda de protestos anti-racistas, que já se assistiu no Esporte norte-americano .

Pouco tempo antes de sua luta contra Sonny Liston, o jovem Cassius fora levado por Malcolm X para a seita dos Mussulmanos Negros, comandada por Elyjah Muhammad e foi muito bem aceito por lá.

Veio a luta com Liston, e, o mundo se surpreendeu, pois o "Falador de Louisville" cumprir suas promessas e era agora o novo campeão de pesos-pesados.

Sonny LIston era ligado a gangsters que atuavam nas lutas de Boxe, e não era bem visto ocupando o primeiro lugar em importância nos campeões de Boxe, mas a entrada do exaltado Cassius Clay viria a criar um movimento muito mais forte pincipalmente pelas atitudes corajosas de Clay, não só os Estados Unidos, mas o mundo , passaria a entender melhor o problema das divergências raciais que existiam na América.